sábado, 12 de fevereiro de 2011

Meninas de Alá


 

Quando a edição de agosto de 2010 da revista Time chegou às bancas do mundo, foi impossível conter o choque dos leitores com aquela imagem da garota afegã Aisha Bibi, cuja beleza estava violentada pelo nariz e orelhas amputados por um castigo. Familiares e o próprio marido, movidos pela cegueira religiosa de radicalismos islâmicos, surraram e torturaram a moça, com requintes animalescos, apenas porque a mesma queria escapar da tirania de um casamento imposto por tradições sectárias.
 

Agora, a imprensa mundial divulga que a foto de Aisha, clicada pela jornalista sul-africana Jodi Bieber, foi a ganhadora do renomado prêmio World Press Photo 2011. Não é o primeiro galardão da fotógrafa, que já papou outros oito pelo planeta.
 

O caso de Aisha Bibi se soma a tantos outros de mulheres vilipendiadas, torturadas e assassinadas por causa de conceitos retrógrados de sociedades idem. Como a iraniana Sakineh Ahstiani, condenada à morte por supostos crimes de adultério e assassinato.
Quantas e quantas mulheres sofrem a sanha demoníaca de homens em países muçulmanos do Oriente e da África? Milhares delas, muitas ainda na infância e adolescência, condenadas ao sofrimento pelo fato de portar a essência feminina.
 

Mas, não importam as vontades dos deuses das religiões, o mundo segue inexoravelmente avançando culturalmente e o tempo – pelo menos na dimensão terráquea – só anda para a frente. Um dia sumirão da Terra todos os preconceitos.
Chega de tanto atraso social, tanto terror em nome de seres inexistentes, frutos da ignorância humana e da sua incapacidade de assumir-se dona do seu próprio destino. O Ocidente não pode parar de avançar com seus conceitos democráticos e republicanos.
 

Cada mulher muçulmana que se rebela contra a natureza reacionária de algumas tradições é um passo à frente para um mundo livre e de gente vivendo com igualdade, quer seja homem ou mulher, branca ou preta, bem vestida ou mal vestida.
Jamais esquecerei uma exposição que eu não vi, em Berlim, em 2009. Calma, não estranhem o tom desconexo da minha afirmativa. É que em dezembro daquele ano, na minha segunda passagem por Paris, me impactou o que eu vi nos jornais.
 

Estava hospedado na 52 Rue Gay-Lussac, o exato local aonde se iniciaram as primeiras manifestações estudantis que culminaram com o “Maio 68”. Como no ano anterior completara-se 40 anos do movimento, danei-me a comprar tudo que fazia referência.
Diariamente, me dedicava a catar livros, revistas, cartazes e jornais que trouxessem reportagens alusivas ao mítico ano que abalou o mundo. Foi quando me deparei com algumas matérias sobre uma polêmica exposição na capital da Alemanha.
 

Na antiga estação de Berlim oriental, transformada depois da queda do muro no Nationalgalerie im Hamburger Bahnof, uma artista plástica iraniana, chamada Shirin Neshat, atraía multidões para ver as fotos e filmes da expo “As Mulheres de Alá”.
Guardei todas as matérias e resenhas, no Le Figaro, no Le Parisien, no L’Humanité, no Liberation, no France Soir e no Le Monde. Concebida em 1993, a exposição reunia imagens de mulheres com trechos do Corão escritos em pequenas partes dos seus corpos.
 

Prisioneiras nas túnicas e véus da tradição islâmica, aquelas mulheres, a maioria ainda jovem, representavam na compreensão revolucionária de Shirin Neshat toda a submissão feminina diante do fanatismo religioso de uma cultura intolerantemente hermética.
 

Um dos vídeos que chamaram a atenção da mídia francesa chamava-se Xarin, e narra a desventura de uma menina que escapa de um puteiro, aonde foi jogada, e tenta livrar-se do pecado com um banho purificador, na verdade um ritual de auto-imolação. Sua pele adolescente é esfregada até despregar-se do corpo, num ato ensandecido provocado pela forte e tenebrosa influência de ritos religiosos. Hoje, ao ver a foto de Aisha ganhando o prêmio, não pude deixar de pensar em até quando a matança de meninas continuará sendo a imagem de um mal que envergonha a raça humana.

Por Alex Medeiros